segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Xerazade, sob o olhar de Rubem Alves


Um sultão, descobrindo-se traído pela esposa a quem amava perdidamente, toma uma decisão cruel. Não podia viver sem o amor de uma mulher. Mas também não podia suportar a possibilidade da traição. Resolve, então, que iria se casar com as moças mais belas dos seus domínios, mas depois da primeira noite de amor, mandaria decapitá-las. Assim o amor se renovaria a cada dia em todo seu vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sopro de infidelidade que pudesse apagá-lo. Espalham-se logo, pelo reino, as notícias das coisas terríveis que aconteciam no palácio real: as jovens desapareciam logo depois da noite nupcial. Xerazade, filha do vizir, procura então o seu pai e lhe anuncia sua espantosa decisão:
desejava tornar-se esposa do sultão. O pai, desesperado, lhe revela o triste destino que a aguardava, pois ele mesmo era quem cuidava das execuções. Mas a jovem se mantém irredutível.
A forma como o texto descreve a jovem Xerazade é reveladora. Quase nada diz sobre sua beleza. Faz silêncio total sobre o seu virtuosismo erótico. Mas conta que ela lera livros de toda espécie, que havia memorizado grande quantidade de poemas, e narrativas, que decorara os provérbios populares e as sentenças dos filósofos.
E Xerazade se casa com o sultão. Realizados os atos do amor físico que acontecem nas noites de núpcias, quando o fogo do amor carnal já se esgotara no corpo do esposo, quando só restava esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, ela começa a falar. Conta histórias. Suas palavras penetram os ouvidos vaginais do sultão. Suavemente, como música. O ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que se permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma. Segundo antiquissima tradição,
foi assim que o deus humano foi concebido: pelo sopro poético do Verbo divino penetrando os ouvidos encantados e acolhedores de uma Virgem.
O corpo é um lugar maravilhoso de delícias. Mas Xerazade sabia que todo amor construído sobre as delícias do corpo tem vida breve. A chama se apaga tão logo o corpo se tenha esvaziado do seu fogo. O seu triste destino é ser decapitado pela madrugada: não é eterno, posto que é chama. E então, quando as chamas dos corpos já se haviam apagado, Xerazade sopra suavemente. Fala. Erotiza os vazios adormecidos do sultão. Acorda o mundo mágico da fantasia. Cada estória contém uma outra, dentro de si, infinitamente. Não há orgasmo que ponha fim ao desejo. E ela lhe parece bela, como nenhuma outra.
Porque uma pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela…
Conta a história que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a execução, por mil e uma noites, eternamente e um dia mais.
Não se trata de uma estória de amor, entre outras. É, ao contrário, a estória do nascimento e da vida do amor. O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido. A Sônia Braga, ao final do documentário de celebração dos 60 anos do Tom Jobim, disse que o Tom era o homem que toda mulher gostaria de ter. E explicou: “Porque ele é masculino e feminino ao mesmo tempo…” O segredo do amor é a androgenia: somos todos homens e mulheres, masculinos e femininos ao mesmo tempo. É preciso saber ouvir. Acolher. Deixar que o outro entre dentro da gente. Ouvir em silêncio. Sem expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor que a resposta rápida. Alfange que decapita. Há pessoas mais velhas cujos ouvidos ainda são virginais: nunca foram penetrados. E é preciso saber falar. Há certas falas que são um estupro. Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro.

sábado, 29 de janeiro de 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Te vi


Me surpreendi...
Me alegrei...
Me emocionei...
Me amei...
Me vi...
Te vi!

Karla Morgana

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sinais do céu






Este crepúsculo marcante tem que ser um prenúncio do despertar de um tempo, de um fluir contínuo indiferente ao caos, rumo a vazante do meu ser.

Ou pode ser um recomeço usual de evocações extintas,em cerimônias secretas em salas fugidias, transformadas em santuários.
Vertigem de vertigens.
Sua luz ilumina as neblinas como cortina de sinais, que escondem o rastro das coisas por entre versosredundantes, ao som de um violino levado pelo vento.
Num jardim onde caem pétalas de uma flor triste;
a brisa sopra uma esperança, que se esvanece em tranquilos dias,
num espiral de sonhos que a rigidez das horas
não podem conter.

Luciano Martini

"Neste Altar" - BAnda DOM, na visão de Ricardo Aguiar



" A minha alma em Tua voz encontra direção..."

sábado, 22 de janeiro de 2011

RELACIONAMENTO OBSOLETO



Em tempo algum o novo e a novidade foram tão valorizados como agora. Mais importante do que ter é ter coisas novas. Mais importante do que sentir é sentir sensações não sentidas. A possibilidade que cada um tem de viver o novo, seja adquirindo o celular da moda ou, conhecendo o lugar que todos estão indo define o status que cada um goza na sociedade ou dentro de uma comunidade.
De tal forma isso nos define que ficar algum tempo sem adquirir algo reconhecidamente valorizado pelo grupo, pode nos colocar no limbo do consumo – isto é, o lugar frio e isolado aonde ninguém vai nem deseja ficar.
O novo e a novidade têm uma característica fundamental que os define, a de que não possuem defeito, nem se comportam de forma diferente daquilo que se espera deles, justamente por que só foram adquiridos por que temos certeza de que não serão diferentes do que esperávamos quando compramos. Mas caso nos surpreendam negativamente reclamamos imediatamente ao fabricante e a loja e trocamos por outro mais conveniente aos nossos interesses. Esse é o grande valor do novo, funcionam e não nos aborrecem.
A incapacidade crônica que percebemos entre os casais ou pessoas que pretendem ter um relacionamento é esse: à medida que o relacionamento dura e, durando mostra que está dando certo, evidenciam-se dia a dia incansavelmente todos os seus problemas e “defeitos” que se tornam insuportáveis à medida que precisam ser corrigidos e acertados. O que todos os casais esperam é que tenham uma relação que dure, mas na medida em que obtém sucesso nesse desejo mais e mais se exige deles que tenham habilidades, talentos e capacidades de corrigirem os problemas e desajustes que mais aparecem à medida que mais tempo se fica com a outra pessoa.
A questão é que coisas que tem problemas não possuem valor, por que valor tem o que não possui problema. Os problemas de uma relação são vistos e reconhecidos como sinalização inequívoca de que a relação não é boa, por que se boa não teria problema e, portanto, deve ser descartada em troca de outra que não demonstre ter limitações de nenhum tipo. Limitações e defeitos exigem habilidades e capacidades para o conserto que, poucos possuem, o que não deixa dúvida do que o mais acertado é buscar outra relação nas vitrines onde elas ficam expostas.
As pessoas atualmente têm uma incapacidade crônica de lidar com problemas, dificuldades ou qualquer coisa que exija delas mais tempo do que o tempo geralmente gasto numa operação bancária on-line. Num tempo em que se você está com fome basta ir ao self service; se a casa está suja basta chamar a diarista; se a torneira pingar o encanador arruma; se o computador está lento é só dar um ap grade; se as contas estouraram o banco de empresta dinheiro, não é fácil encarar os problemas e defeitos de uma relação amorosa para qual não há técnico para resolver. Quando o problema é sexo, basta ir a uma banca de revista, lá tem tudo para quem tem problemas para sentir aqueles formigamentos e choquinhos, mas quando o problema é se colocar na mesma freqüência do outro...
A disponibilidade para o test drive amoroso é tanta e tão fácil de conseguir e, são tantos os que não conseguindo ficar sozinhos logo se deixam levar para mais uma tentativa que, mais fácil do que tentar consertar o que para tanto não se tem ferramenta para fazê-lo, que o mais indicado é desfazer-se o mais rápido possível do outro - que por seu lado espera o mesmo – e sem demora se colocar a disposição para NOVAS tentativas.
A satisfação do consumo e do consumo do novo, o novo por que mais atual e destituído de problemas, embriagou a subjetividade dos relacionamentos amorosos com a lógica econômica da compra. A questão dos relacionamentos hoje não é começar, mas como se desfazer dele quando ficar obsoleto, ou seja, com problemas. Assim como as coisas os relacionamentos também têm prazo de validade.

Luciano Alvarenga - sociólogo

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Mudando



Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente

Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro

Gabriel Pensador